27 de outubro de 2011

E tu, como estás?

(Post escrito a 19 de Outubro)

Eu estou bem. Eu estou sempre bem.

Não estás não. Tu tens é muita força. És uma mulher forte, que encaras sempre tudo.

Fiquei a pensar no que ele me disse. Porque (quase) toda a gente me diz o mesmo. Porque muitos fizeram questão de dizer que a depressão não era sinal de fraqueza. Porque eu dizia que nunca me tinha imaginado como alguém que pudesse ter uma depressão. Suponho que o interpretavam mal. Não era como uma fraqueza que o sentia. Só não me imaginava assim. Muito menos por tanto tempo. Muito menos a sentir-me confortável, a partir de dado momento.

Nunca me senti uma mulher forte. Só eu sei, sempre soube, como sou frágil. Como há uma menina pequenina e insegura dentro desta aparente segurança (quase arrogância, por vezes). A Nônô dizia, no Sábado, a propósito de mais uma birra de mamãe, que eu sempre tinha ajudado toda a gente e mamãe mais que todos. Talvez eu não soubesse fazer de outra maneira. Talvez eu não soubesse que podia ter feito de outra maneira. E por isso pareci forte.

Talvez eu seja realmente mais forte do que penso. Descobri-me mais racional do que sempre me julguei ser. O coração sempre comandou a minha vida. Mais perto da boca do que devia. A quente. Depois não. Daí o bom senso. O rigor. As regras que o meu mais velho sugere que eu quebre de vez em quando para ser mais feliz. Talvez esse meu lado mais forte tenha ajudado a ultrapassar alguns “Abris” difíceis de lidar. E “otras cositas mas”.

Sorri quando me disse. Talvez tenha razão o meu amigo. Talvez comece a ler-me melhor do que eu pensava. Tão carinhoso. Tão atento.

Quase lhe contei que não, que não sou tão forte como me julga. Que de facto não tenho tempo nem paciência para estar mal por muito tempo. Mas que um dia desabei. Completamente. Que de repente o mundo deixou de fazer sentido e ficou tão pesado… que tudo o que eu queria era que parasse de doer.

E parou. Demorou seis meses mas parou. Agora há que cuidar das feridas que o copo, estilhaçado em cima da mesa, deixou. Ter consciência delas ajuda muito, pedir ajuda também. E eu sei reconhecer que preciso de ajuda. Por isso pedi. E estou no bom (e longo) caminho.

Talvez um dia te conte. Ou talvez não. Mas és tão querido por saber que não, não estou sempre bem. Mesmo que não to diga. Ainda.

Sorrisos no muro

(Post escrito a 18 de Outubro)

Aviso desde já: este é um post um bocado piegas… pronto, é assim!


A minha tia-avó está a morrer. É uma morte dolorosa. Daquelas que me deixam sempre a pensar que não são justas e que ninguém merece sofrer assim. A minha tia tem Cancro no pâncreas.

Não sei exatamente que idade tem. É mais nova que a minha avó mas não deve ser muito mais e a minha avó tem 80 anos… uns 73, talvez... não precisava de sofrer tanto, pois não?

A minha tia perdeu o único filho há cerca de um ano, morreu de repente, uma morte estúpida, horrível, uma cirrose que rebentou. Tinha 40 e poucos anos, um filho de 16 ou 17 anos… enfim, uma tragédia. A minha tia perdeu a vontade de viver depois disso. Deve ser horrível sobreviver à morte de um filho. É contranatura. E agora está a sofrer tanto, mais ainda. Não precisava de ser assim.

Estava a pensar nisso esta manhã e lembrei-me da tal história que o Padre Filipe contou no sermão de Ano Novo num ano não muito longínquo… os desejos do Padre Filipe (que também morreu de Cancro…) para aquele ano (e para os que se seguem, já agora) é que todos tenhamos muitos “Sorrisos em cima do muro”:

Numa leprosaria em África no meio de muitos doentes as irmãs repararam que ao contrário da maioria que andava sempre zangada e mal-humorada havia um homem sorridente que agradecia e pedia por favor sempre que falavam com ele. Uma das irmãs percebeu que todos os dias à mesma hora aquele homem se dirigia a um determinado ponto do muro e olhava. De repente aparecia uma rapariga no cimo do muro. Olhavam um para o outro, sorriam e ela voltava a desaparecer. Um dia a irmã perguntou-lhe quem era aquela rapariga e ele explicou:

Era a mulher dele. Que quando ele ficou doente e teve de ir para ali, se recusou a ficar na aldeia e fez questão de o acompanhar e vivia do outro lado do muro para ficar perto dele. Então tinham combinado que todos os dias, à mesma hora, ela aparecia ali. E todos os dias, à mesma hora, ele ali estava para a ver. Enquanto houvesse aquele sorriso em cima do muro, ele tinha uma razão para viver.

A história é mais ou menos assim. O Padre Filipe contou-a maravilhosamente, muito melhor do que eu alguma vez o farei. Mas penso muitas vezes nisto (mesmo que volta e meia pareça esquecer-me). Lembrei-me hoje, uma vez mais. A minha tia não tem, ou sente não ter, muito mais sorrisos em cima do muro (talvez nem mesmo o neto) e por isso não aguentou mais e deixou de querer viver.

Está no IPO e quer ir para casa. Não quer ficar lá mais tempo. Nem tomar banho, nem comer, nem tentar mais nada. Tem muitas dores e não quer ter mais dores. Quem lhe pode pedir que continue a lutar? Quem, no lugar dela, o faria? Que sorrisos terá a minha tia-avó no cimo do muro?

Eu tenho… tenho tantos! Ou nem tantos mas tão lindos, tão brilhantes, tão abertos!!! E mesmo quando pareço esquecer-me, sei que estão sempre lá.

Reencontros

(Post escrito a 06 de Outubro, no comboio e depois do regresso a casa)

Um dos momentos felizes da festa de ontem foram os reencontros.


B é B e pronto… vou gostar sempre dele, o que é que eu lhe hei-de fazer? Não o via há quase dois anos e só percebi as saudades que tinha dele quando o vi no meio de todos os outros. A malta de há uns tempos para cá é um bocadinho desnaturada um com o outro (tens razão, temos mesmo de falar mais vezes), mas fico sempre feliz quando o vejo.

Grande, lindo e no meio da criançada (não foi “tio” ;) ) era impossível não sorrir perante aquela imagem de “menino grande” :)

E a família de A, quem diria??? A ultima vez que estivemos juntas, o jr era um bebé de colo e de repente tem 3 anos, é um menino lindo e doce que dança as músicas mais mexidas, pede caipirinhas sem álcool ao “tio B” e sorri envergonhado e embevecido com a noiva que “está linda”. Vencida a timidez, fala que se desunha e arrasta a asa para uma menina linda de cabelo em cachinhos morenos e há quase um beijo pelo qual estamos todos a torcer . E há um mano loiro de olhos azuis com 10 meses e um sorriso lindo!! Brinca com o meu cabelo que o faz dar gargalhadas lindas, de bebé, dá beijinhos no meu nariz e “palmadinhas” que arranham mas pretendem ser “miminhos”. Que família linda num casal de que sempre gostei!

Hoje, antes de regressar a casa, fomos as duas a Sto. Tirso. Comentei ontem que passava por lá esta manhã e A não os via há tanto tempo! Por isso fomos juntas. Eu pude entrar e visitar “os meus meninos”. Ou alguns deles, pelos menos. Quase todos os mais importantes nos meus afectos. E foi tão bom! Senti-me tão acarinhada, tão bem vinda!!! Tão querida. Foi engraçado porque não sabiam que eu ia (só S me esperava) e estavam, naturalmente, a trabalhar. Parte deles só deu por mim pela voz “essa voz é inconfundível” – e isso é bom ou mau??? – é bom, claro!! :)

Enquanto isso, na receção, A ia falando com S e M e quem ainda se lembrava dela ia passando por ali para lhe dar um beijo e conhecer o pequenino que foi connosco. Acabámos por almoçar por lá, com S e M. A B ainda apareceu e estivemos um bocado na conversa. Falei com S e B e A e M e R sobre a minha decisão… todos sossegaram o meu coração e reforçaram a minha certeza. Obrigada.

Saí mais tarde do Porto do que esperava e por isso já estive tão pouco, tão de fugida, com quem me esperava (e que esforço tão grande fez para me ir buscar!) mas parte da tarde foi passada na nova loja de A com o marido e o filhote a conversar de tudo um pouco. O tempo passou tão rápido (não passa sempre quando estamos felizes?) e de repente eram quatro da tarde e eu ainda estava no Porto em vez de estar a chegar a Lisboa como previsto.

Depois de tudo o que este ano tem sido, depois das últimas semanas tão difíceis a tantos níveis, com tão poucas coisas boas, este recarregar de baterias de afeto, de ternura, de bem-querer foi o melhor que me podia ter acontecido :)

Começou ainda em Lisboa. Prometes que voltas depressa? Que não ficas lá? Não podes mesmo vir na quinta? Posso. Não, não fico lá. Não volto para lá. Prolongou-se por essa mesma noite com M e R e a família de M, principalmente a mãe e o pai que não me conheciam e me receberam como se fosse da família.

Do dia do casamento… que mais poderei dizer que já não vos tenha dito? Que me sentia linda… estivesse ou não. E esta manhã e esta tarde… e esta noite, ao chegar.

Há dias em que estou mais triste, mais cansada, mais desanimada… nesses dias, espero lembrar-me de vir aqui. Para sentir o sol no meu rosto. Para ouvir as gargalhadas do pequenino. A música que me faz dançar com o pé magoado. A surpresa feliz dos que não me esperavam ali.

O abraço apertado dos meus amigos. Para vos abraçar.
Para me sentir acarinhada outra vez. Porque às vezes, por um momento, me esqueço que é mútuo.

6 de outubro de 2011

Com um brilhosinho nos olhos...

a M e o R casaram.
Conheço-os há tanto tempo que já nem sei quando foi que começou esta amizade que nos foi tornando cada vez mais cúmplices e mais próximos ao longo da vida.

Tenho a felicidade de ser amiga de ambos. Uma amizade "independente". E "conjunta".
O que torna, portanto, duplamente feliz este momento para mim.

Conheci-os em momentos diferentes, em funções diferentes, sem sonhar que, um dia, tinham sido namorados. A R muito antes, como operador. Uma daquelas pessoas com quem se simpatiza, de quem se gosta à primeira vista, depois como colaborador da minha empresa noutro departamento, passámos a colegas e amigos.

A M conheci mais tarde, como colega que as (muitas) afinidades foram transformando em amizade tranquila. Não foi uma surpresa "descobrir" este amor. Foi um daqueles casos óbvios. Que faziam todo o sentido juntos. Faziam e fazem. Como sempre fizeram. Com nuvens e sol.

Na altura ele já era o meu "íssimo" que eu amava (e amo) "de paixão. E ela já era a minha "inha", sempre no mundo dela. Esta proximidade, sem nunca ter sido, distância, reforçou-se numa descoberta quando comecei a dizer mais vezes "não" a quem achava, por alguma razão, ter tempos de amizade "exclusiva.

Há pessoas, longe dos holofotes, que estão sempre lá.
Há pessoas para quem, longe da boca de cena, estaremos sempre lá. M e R são assim. Mesmo que os dias se transformem em semanas e meses de aparentes "silêncios". Estou sempre lá para eles. Estão sempre cá para mim.

No meu último dia de Porto, no fechar de porta de uma casa vazia, foram os únicos a quem ocorreu espontânea e generosamente não me deixar só. E prestar uma ajuda fisica, um colo e um carinho de que eu própria não sabia precisar. "Não sabias dizer?" - "Não sabia que precisava". Obrigada por estarem aqui. Se fosse ao contrário não farias o mesmo? Sim. - Sem eles, o meu dia teria sido infinitamente mais longo, dificil e doloroso.

Foram também eles, antes de quase todos - na véspera da própria familia - a saber que estava de regresso a Lisboa, num café de fim de tarde com M que se prolongou - mas é claro que temos de ir jantar hoje!! Isso merece celebração! - por um jantar com ambos onde foram feitos tantos e tantos planos. Parti sabendo que não seriam os 300 kms, a falta dos pontuais jantares e cafés semanais que nos tornariam mais distantes uns dos outros. Porque se eles são "issimos" e "inhos" nos meus afectos, também eu sou "inha" nos afectos deles.

Ontem, M e R casaram. Sabíamos, eu como eles, que não poderia faltar. Por muitas voltas, por muitas nuvens, por muitos pés torcidos que a vida tenha por estes dias.

Porque não foi um casamento. Foi uma festa. E que bonita festa foi! A mais bonita em que me lembro de ter estado. Pela simplicidade e beleza, pela leveza, pela suavidade com que as horas passaram rápido, sem darmos por elas. Os noivos lindos, "ambos os dois", felizes, cúmplices. Sempre a sorrir e a brincar e a dançar com toda a gente. Porque são assim.

Eu que adoro dançar, quase sempre entre quatro paredes, e raramente em público, dancei toda a tarde, com poucas ou raras pausas, e só parei na ultima música. Quando nos sentimos felizes, ficamos mais bonitos e sentimo-nos bem. Sentimo-nos em casa.

M e R estão juntos há muito tempo. O namoro está há muito consolidado e a vida em conjunto também. Por isso vos digo que ontêm M e R - de espontânea vontade e na posse das plenas faculdades mentais :) - casaram numa festa linda e eu, que os amo, fiquei feliz por estar lá.


P.S: não preciso de lhes desejar que sejam felizes porque já são. Continuarão a sê-lo, eu sei. 

1 de outubro de 2011

O Padre Filipe Morreu...

O padre Filipe era um bom homem, um bom padre e morreu esta semana. E eu tenho pena que tenha morrido.

Costumo dizer que se Deus for como o Deus do padre Filipe, então, nesse Deus, eu acredito. Nos "outros", nos outros não. O Deus do padre Filipe era um Deus de paz, de compreendão, de erros, de falhas. Não era um Deus perfeito. Não era um padre perfeito. Pode ser contraditório este Deus imperfeito? Talvez? Mas era assim que eu lia, que eu ouvia através daquele padre franzino e moreno, sempre de sorriso nos lábios (nunca o vi sem estar a sorrir, nem mesmo nas raras vezes em que nos cruzámos já nos tempos da doença).

Não tive, e lamento-o, muito contacto com o Padre Filipe. Mas nestes últimos 15 anos foi quase sempre o pároco de Carnide.Foi ele quem baptizou o André e penso que foi esse o meu primeiro contacto com ele na qualidade de madrinha. Recordo de então, a subtileza e carinho com que numa cerimónia de batzinhado triplo a ausência de pai do André não foi sequer notada ou referida nas reuniões preparatórias.

Nunca fui muito de missas, igrejas... essas coisas. Sinto-me espiritual mas não necessariamente religiosa. Comove-me um padre como um rabi e o lugar no mundo em que mais me senti em paz até hoje num templo budista em Seul.

Reconheço, ainda assim, uma particular ternura pelos franciscanos. Desde o fundador a Sto António. Também ele, o padre Filipe, era franciscano, e talvez por isso, não sei, os seus sermões eram sempre conversas.

Houve um tempo, já eu estava no Porto, em que a minha mãe ganhou o hábito de ir à missa ao Domingo. E eu, de vez em quando, mais para lhe fazer companhia, ia com ela... gosto de rituais e de alguma forma há alguma paz nos rituais liturgicos. Quando era o Padre Filipe a missa a era um verdadeiro prazer. Ri e chorei muitas vezes com os seus sermões. Ou até mesmo ambos numa só missa.

O sermão que mais me marcou na vida foi há muitos anos, numa missa de ano novo, e falava daquelas coisas que todos desejamos uns aos outros nestas alturas, nos balanços de vida que fazemos... nas épocas de maior ou menor desânimo.

É provável que ao longo dos anos, em momentos melhores ou piores de cada um, já vos falado no "sorriso no cimo do muro"... e hoje, no dia em que soube da sua morte, da morte de um homem bom, espero que lá onde quer que esteja o Padre Filipe saiba que foi muitas vezes um sorriso de paz, conforto e esperança para muito de nós.

Que descanse em Paz.