30 de junho de 2011

"Metade" - Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio
que a morte de tudo em que acredito

não me tape os ouvidos e a boca

pois metade de mim é o que eu grito

a outra metade é silêncio
Que a música que ouço ao longe

seja linda ainda que tristeza

que a mulher que amo seja pra sempre amada
mesmo que distante

pois metade de mim é partida

a outra metade é saudade

Que as palavras que falo

não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor

apenas respeitadas como a única coisa

que resta a um homem inundado de sentimentos

pois metade de mim é o que ouço

a outra metade é o que calo

Que a minha vontade de ir embora

se transforme na calma e paz que mereço

que a tensão que me corrói por dentro

seja um dia recompensada

porque metade de mim é o que penso

a outra metade um vulcão

Que o medo da solidão se afaste

e o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável

que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso

que me lembro ter dado na infância

pois metade de mim é a lembrança do que fui

a outra metade não sei

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito

e que o seu silêncio me fale cada vez mais

pois metade de mim é abrigo

a outra metade é cansaço

Que a arte me aponte uma resposta

mesmo que ela mesma não saiba

e que ninguém a tente complicar

pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer

pois metade de mim é plateia

a outra metade é canção

Que a minha loucura seja perdoada

pois metade de mim é amor

e a outra metade também



Álbum “Trilhas” -1977

1 comentário:

Gabriela disse...

Eu aprecio bastante este poema.É o símbolo de uma história de amor. Pois metade de mim, realmente é amar e a outra também.