5 de outubro de 2009

A propósito dos 12 anos...

Há 12 anos, mais ou menos por esta hora, cheguei ao Porto. Na época fui viver para Braga mas o Pendular terminava no Porto e vieram buscar-me a Campanhã.

Era a primeira de algumas centenas de viagens ao longo destes 12 anos. E nesse dia, como quase sempre, ninguém tinha ído despedir-se de mim a Sta Apolónia (a estação do Oriente chegaria um ou dois anos mais tarde).

Dessa primeira viagem, recordo o coração apertado ao despedir-me do sobrinho de 6 meses (lembrar-se-ia ele de mim daí a uma semana? Lembrava. O sorriso com que me recebeu apagou todas as dúvidas e secou as lágrimas) e de ser noite cerrada quando finalmente cheguei. Lembro-me da minha cunhada a chegar esbaforida, atrasada, a uma estação que eu desconhecia e em que a esperava.

Na manhã seguinte, depois de uma viagem atribulada de camioneta e de muito tempo a andar (carregada com imenso material de escritório que tinha trazido de Lisboa, porque devia "ser já ali, a avenida é esta" e por isso fui andando a pé) não fui recebida com os sorrisos e boas-vindas de quem me esperava mas com a recriminação pelo atraso inconveniente.

Seria sempre esse o tom da nossa relação. Até ao fim, haveria sempre uma "meia-censura". Apesar do carinho mútuo.

Mais tarde, no meio dos que a partir daí seriam, para sempre "os meus meninos" senti-me finalmente bem vinda e foi então que tudo verdadeiramente começou.

Que viagem esta! Depois de um primeiro ano muito dificil, por todas as razões, com dinheiro contado ao tostão e as emoções à flôr da pele, com cartas de demissão escritas e guardadas dentro da gaveta ao fim das primeiras semanas, quase apetecia voltar atrás e começar tudo outra vez.

E a esse propósito, ocorre-me um texto da Marina Colasanti:

"O abacaxi tem folhas espinhentas e cortantes, a sua própria casca é áspera, grossa. Nada, por fora, leva a suspeitar a branca doçura da carne, o sumo farto. O abacaxi parece mais uma pedra do que uma fruta. No entanto, para o primeiro que dele se acercou armado de faca e fome, soube receber o seu rico tesouro. Este primeiro não estava desatento, não pensou "Deus me livre de comer essa coisa espinhenta", não virou a cara procurando pêssegos. Estava atento, e com fome, estava receptivo para tudo o que o mundo lhe oferecia. E regalou-se.

in "Nova Mulher" - Marina Colasanti

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