7 de outubro de 2007

Renato

Um dia, há mais tempo do que gosto de lembrar, o Renato morreu.
O Renato era um gato especial... com mau feitio para os outros e um mar de amor para mim.

Adormecia na minha cama.
Dentro dos lençóis. Com a cabeça no meu ombro, a pata a abraçar-me o colo e o corpo esticado aninhado no meu quando tinha frio.

Foi o companheiro de muitas horas, de muitos dias. De lágrimas e de risos. Da nova vida no Porto.
Estivémos juntos 13 anos. Viémos juntos de Lisboa.

Miava quando me sentia chegar ao fundo da rua. Ficava na janela á minha espera e recebia-me em cada chegar a casa.

Um dia, o Renato ficou doente. Muito. Por muito tempo. Com dor.
E um dia, depois de uma semana em que parecia ter ficado há minha espera, o Renato não conseguiu levantar-se.

Olhou-me com aquele imenso olhar azul e eu soube que tinha de o deixar partir.
Soube que era por mim que ele ficava mas que já não podia mais.

E na decisão mais dolorosa da minha vida, deixei-o partir.
Soube naquele momento que não tinha o direito de ser egoísta e de o querer mais tempo para mim.

E levei-o onde o podiam ajudar a seguir sem dor.

Disseram-me, no momento em que foi preciso dizer adeus "Ele sabe. Ele entende que o ama."
E eu vi, naquele imenso e doloroso olhar azul, a ternura e a gratidão de se saber amado.
De o deixar partir.

Hoje, num blog que visito diariamente, deparei-me com um link para este texto:

BLUE BUTTERFLY

Agostinho da Silva disse-me um dia que a solidariedade era uma forma moderna de expressão de egoísmo. Ajudamos o outro pela satisfação que isso nos trás e não necessariamente pelo impacto causado na vida do outro.

Quanto do amor é feito de egoísmo?
Quando do amor é feito do que nos causa conforto?
Balzac, o nosso malamute, morreu ontem depois de meses sem ninguem ter coragem de o mandar abater.
E mesmo na última noite e na última manhã, quando ele gemia e se contorcia com dôr, não havia coragem para fazer o telefonema.

Ajudá-lo a morrer seria poupar-lhe sofrimento. Mantê-lo vivo, era dar-lhe a dignidade de o deixar partir quando a hora dele realmente chegasse.

Mas seria isso mesmo? Ou não teremos inconscientemente considerado que seria maior o nosso sofrimento ao ter que lidar com a morte dele? Ou não quisemos nós inconscientemente poupar-nos à responsabilidade de terminar uma vida e à dôr que vem daí. Ou não quisemos nós pensar que aquilo poderia passar e ele qual lázaro levantar-se dos mortos. Fomos cobardes ou amávamo-lo demasiado?

Poupar o sofrimento é um gesto de amor? Manter o que amamos o maior tempo possivel junto de nós é um gesto de amor dirigido ao outro ou a nós próprios?

in "http://blogdalexandra.blogspot.com"

E enquanto lia lembrava o Renato.
A dor da sua partida. A decisão dificil, tomada sózinha, sem ninguém com quem partilhar.

Chorei muitos dias. Muitas horas. Chorei hoje, agora.
Ainda sinto uma pontada de dor quando lembro esse momento.

"Manter o que amamos o maior tempo possivel junto de nós é um gesto de amor dirigido ao outro ou a nós próprios?"

Nesse dia de Outubro, há mais anos do que gosto de lembrar, amá-lo foi deixá-lo partir.
E perceber que o meu egoísmo só o fazia sofrer.

Sinto a falta dele. Muitos dias. Muitas vezes. Na casa em que nunca viveu, sinto-o presente.
Conto as histórias. E sorrio de ternura ao lembrar as tropelias de um gato que não me lembro de ver brincar :)

E a minha doce Ginja, que é tão diferente mas tão igualmente amada, perdoa concerteza as vezes em que sem saber porquê... lhe chamo Renata.

Um dia, há mais tempo do que gosto de lembrar, o Renato morreu.
O Renato era um gato especial... com mau feitio para os outros e um mar de amor para mim.

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