Sonhei contigo esta noite.
Com vocês, na verdade. Um sonho estúpido, sem nexo. Embora a minha doutora diga que não existem sonhos sem nexo da mesma forma que a minha garganta não enrouquece por acaso. Talvez sonhemos os nossos medos e angústias. Talvez o sonho tenha vindo porque vos vi tão próximos ainda no outro dia. Talvez seja pela conversa recente, cíclica. Pelo que se fala, fala mas nunca acontece.
Do sonho lembro que me afastava, afastava sempre. Não queria fazer parte daquilo. Mas não sei, não me lembro do que sentia para além disso. Cansaço, impaciência, saturação. Sim. Mais do que isso não sei. Não me recordo triste, zangada, aliviada… talvez confusa. Muito. Sem perceber (mas percebendo) como tudo aquilo era possível. Lembro a impaciência de tentar perceber porque razão insistia em mostrar-me evidências, provas, de que tinha acontecido, que acontecia, que era mesmo verdade e não uma história elaborada para me magoar ou afastar. Não que fosse dito claramente, preto no branco. Mas estavam ali factos: passagens de avião, bilhetinhos com datas recentes, postais das várias cidades com mensagens de ternura...
Coisa estranha, isto dos sonhos. Porque tenho (tive) alguém que me era muito próximo e o fazia com o amor de então. Viviam em países distantes e encontravam-se em várias cidades europeias pelo menos uma vez por mês. Normalmente durante a semana. 2 ou 3 dias. Esses encontros eram-me descritos com bastantes detalhes e entusiasmo. Conheci a pessoa em causa. Gostei da pessoa. Torci, por muito tempo, para que resultasse. Queremos sempre a felicidade dos que amamos.
Era assim este sonho, estes encontros que me eram descritos, estes voos para cidades distantes, não pela distância um do outro, mas para fugir de todos. É curioso que, neste sonho em concreto, com vocês os dois, a dinâmica fosse semelhante. É engraçado como o subconsciente vai buscar estas coisas.
Acordei muitas vezes esta noite (como sempre, aliás) e lembro-me de, a dado momento, ter desejado não retomar, por favor, aquele sonho. Porque acordava, adormecia, sonhava, acordava, adormecia, sonhava vezes sem conta… como se fosse um filme que ficava em pausa sempre que o sono fugia (ou eu fugia do sono) para retomar logo que adormecia. Estava farta, saturada. Já tinha percebido, pronto. Podiam fazer o favor de ir embora e deixar que outro sonho parvo, provavelmente, o substituísse?
Os sonhos são coisas estranhas e este, em várias versões e com dois únicos personagens em comum (tu e eu, embora nem sempre eu vejo “sei” que estamos), tem sido recorrente de há uns tempos para cá. E se em tempos me perguntei “porquê? porquê agora e não antes?”, já não questiono… se a doutora tiver razão e tudo isto fizer, apesar de tudo, algum sentido.
30 de novembro de 2012
29 de novembro de 2012
Manhãs de Novembro
Gosto de manhãs assim. Lindas. Frias.
Com o sol radiante, sem uma única nuvem no céu. E aquele friozinho bom que me faz sentir tão confortável no casaco quentinho.
Perto de casa, tenho uma escola primária. E gosto, quando saio perto das 09.00 de me cruzar com todas aquelas crianças e pais e mães e avós a caminho da escola. Uns mais acordados e espevitados que outros (que se deixam arrastar, quase a dormir em pé). Quase todos sorridentes esta manhã.
É impossível não sorrir de volta. É impossível não pensar que é o sol, nestas manhã límpidas e frias de Outono/ quase Dezembro, que nos faz sorrir.
6 de novembro de 2012
José Luís Peixoto... outra vez
Na estrada do campo da bola
Às vezes, antes de uma palestra ou uma entrevista na televisão, quando preciso de me acalmar, penso que estou na estrada do campo da bola e que caminho sem pressa, com sobreiros, azinheiras e oliveiras de um e de outro lado da estrada. Não preciso de fechar os olhos, essa imagem cobre-me os sentidos e acalma-me imediatamente. O vagar chega-me a cada gesto e sinto o início de um sorriso tímido nos lábios, como o sorriso do meu pai, como o sorriso do meu padrinho novo quando estava a escutar alguém, como o sorriso de todas as pessoas da rua onde nasci. Esse é um sorriso de olhos brilhantes e serenos, como a Barragem da Fonte da Moura.
Às vezes, antes de entrar num lugar onde está um microfone e gente à espera de olhar para mim, penso que vou na estrada do campo da bola. Ouço os passos das minhas botas na terra, ouço as cigarras que se soltam ao longo do fim de tarde. Até que enfim que o sol amansou. Quando caminho assim, na terra da estrada, sinto as botas nos pés, sinto as pedras debaixo das botas e não tenho relógio, mas são sempre umas cinco ou seis da tarde. E passo por muitos dos campos onde, antes, quando era pequeno, eu e os meus amigos nos lançávamos a correr, escondidos por searas ou a caminho de alguma figueira que, já sabíamos, estava carregada de figos.
Não preciso de fechar os olhos para ver isto, para receber este tempo inteiro. Da mesma maneira, sinto o cheiro da terra, profundo, terra generosa que me fez nascer e que nunca me abandona, por mais longe, por mais cimento que cubra o chão que me sustém. Caminho na estrada do campo da bola, não como uma lembrança de outros tempos, como outra idade. Avanço devagar no presente, no presente absoluto, com a idade daquele instante, exactamente como se estivesse lá.
Em tantos aspectos, eu ainda estou lá.
Com essa liberdade, pode calhar a aparecer um cão que nunca vi, mas que presumo que deva pertencer a algum pastor e a quem faço festas na cabeça. Sinto com total clareza a forma e a textura da sua cabeça na palma da minha mão. Pode também acontecer que me apeteça parar de roda das silvas e escolher algumas amoras, se for tempo delas. São doces e tenho de ter cuidado para não deixarem nódoas na roupa. Mesmo assim, mais habitualmente, apenas caminho. A estrada tem um bom tamanho, permite-me respirar, encher o peito todo de brisas com aroma de seiva, de cardo seco, de terra molhada, dependendo da altura do ano. Em qualquer dos casos, sobre mim, o céu é sempre enorme, eterno, a mostrar-me com o seu tamanho e com a sua eternidade o quando é humano aquilo que me preocupa, tudo o que me diz respeito.
Quando chego ao início da barreira que leva ao campo da bola, já estou capaz de regressar a onde quer que esteja. Raramente preciso de chegar a meio da barreira e ver, lá em cima, ainda a certa distância, uma das balizas do campo, deixado ao cuidado das estações e da natureza.
Então, estou pronto, levo em mim aquilo que sou.
José Luís Peixoto, in revista UP (Outubro, 2012)
Às vezes, antes de uma palestra ou uma entrevista na televisão, quando preciso de me acalmar, penso que estou na estrada do campo da bola e que caminho sem pressa, com sobreiros, azinheiras e oliveiras de um e de outro lado da estrada. Não preciso de fechar os olhos, essa imagem cobre-me os sentidos e acalma-me imediatamente. O vagar chega-me a cada gesto e sinto o início de um sorriso tímido nos lábios, como o sorriso do meu pai, como o sorriso do meu padrinho novo quando estava a escutar alguém, como o sorriso de todas as pessoas da rua onde nasci. Esse é um sorriso de olhos brilhantes e serenos, como a Barragem da Fonte da Moura.
Às vezes, antes de entrar num lugar onde está um microfone e gente à espera de olhar para mim, penso que vou na estrada do campo da bola. Ouço os passos das minhas botas na terra, ouço as cigarras que se soltam ao longo do fim de tarde. Até que enfim que o sol amansou. Quando caminho assim, na terra da estrada, sinto as botas nos pés, sinto as pedras debaixo das botas e não tenho relógio, mas são sempre umas cinco ou seis da tarde. E passo por muitos dos campos onde, antes, quando era pequeno, eu e os meus amigos nos lançávamos a correr, escondidos por searas ou a caminho de alguma figueira que, já sabíamos, estava carregada de figos.
Não preciso de fechar os olhos para ver isto, para receber este tempo inteiro. Da mesma maneira, sinto o cheiro da terra, profundo, terra generosa que me fez nascer e que nunca me abandona, por mais longe, por mais cimento que cubra o chão que me sustém. Caminho na estrada do campo da bola, não como uma lembrança de outros tempos, como outra idade. Avanço devagar no presente, no presente absoluto, com a idade daquele instante, exactamente como se estivesse lá.
Em tantos aspectos, eu ainda estou lá.
Com essa liberdade, pode calhar a aparecer um cão que nunca vi, mas que presumo que deva pertencer a algum pastor e a quem faço festas na cabeça. Sinto com total clareza a forma e a textura da sua cabeça na palma da minha mão. Pode também acontecer que me apeteça parar de roda das silvas e escolher algumas amoras, se for tempo delas. São doces e tenho de ter cuidado para não deixarem nódoas na roupa. Mesmo assim, mais habitualmente, apenas caminho. A estrada tem um bom tamanho, permite-me respirar, encher o peito todo de brisas com aroma de seiva, de cardo seco, de terra molhada, dependendo da altura do ano. Em qualquer dos casos, sobre mim, o céu é sempre enorme, eterno, a mostrar-me com o seu tamanho e com a sua eternidade o quando é humano aquilo que me preocupa, tudo o que me diz respeito.
Quando chego ao início da barreira que leva ao campo da bola, já estou capaz de regressar a onde quer que esteja. Raramente preciso de chegar a meio da barreira e ver, lá em cima, ainda a certa distância, uma das balizas do campo, deixado ao cuidado das estações e da natureza.
Então, estou pronto, levo em mim aquilo que sou.
José Luís Peixoto, in revista UP (Outubro, 2012)
coisas que os outros escreveram...
Jogo de silêncios
Andamos neste jogo de silêncios. Há coisas que calamos. Muitas. Eu por isto, ele por aquilo, ou, no fundo, talvez os dois pelo mesmo.
Calo-me para não gritar o que me arde por dentro, para não me ouvir dizer o que sei que ele não quer ouvir.
Este nosso jogo de silêncios vem desde sempre. Enchemo-nos das coisas por dizer, sufocamo-las cá dentro até ao dia em que tudo sai numa torrente, num dilúvio, levando todos dentro. Todos, todos os que fazem a nossa história, todos os dias que nos doem, todos os medos e dores por dizer.
Hoje estou cansada deste nosso jogo.
Xeque-mate.
in: Histórias de Nós
Quando eu for grande...
Quando eu for grande quero Escrever
Um dia hei-de escrever algo extraordinariamente belo. Palavras bem encadeadas que tirem desta expressão toda a sua presunção e arrebitamento.
Um dia hei-de conseguir libertar-me de mim e dos meus mundos, elevar-me acima do terreno e escrever num fluxo natural, corrido, translúcido, todas as palavras, virgulas e reticências que sejam um elogio perfeito à língua escrita.
Um dia hei-de conseguir toda eu brotar-me em flor, encontrar toda a cadência certa e compasso acertado para mostrar-me de dentro para fora, numa perfeição que me mostre sublime.
Um dia hei-de ser escritora, nem que só por um texto, por uma história, por umas linhas perfeitas, absolutas, leves, que no fim me deixem solta, cheia, feliz.
Depois pego na folha cheia e perfeita, aperto-a no peito, escondo-a na minha caixa dos tesouros e sorrio o meu sorriso mais sincero, porque hei-de ter o meu maior segredo só para mim.
in: Histórias de Nós
Um dia hei-de escrever algo extraordinariamente belo. Palavras bem encadeadas que tirem desta expressão toda a sua presunção e arrebitamento.
Um dia hei-de conseguir libertar-me de mim e dos meus mundos, elevar-me acima do terreno e escrever num fluxo natural, corrido, translúcido, todas as palavras, virgulas e reticências que sejam um elogio perfeito à língua escrita.
Um dia hei-de conseguir toda eu brotar-me em flor, encontrar toda a cadência certa e compasso acertado para mostrar-me de dentro para fora, numa perfeição que me mostre sublime.
Um dia hei-de ser escritora, nem que só por um texto, por uma história, por umas linhas perfeitas, absolutas, leves, que no fim me deixem solta, cheia, feliz.
Depois pego na folha cheia e perfeita, aperto-a no peito, escondo-a na minha caixa dos tesouros e sorrio o meu sorriso mais sincero, porque hei-de ter o meu maior segredo só para mim.
in: Histórias de Nós
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