27 de abril de 2008

Acabou

Ontem, no duche, desapareceu. A leve pelicula que protege a ferida a cicatrizar.
Era a única marca visivel que restava.

O resto (o inchaço, o negro, a dor) já tinha, devagarinho, desaparecido.

Esta marca, a única, mal se via. Só eu a sabia lá.
Quem viu, não a percebeu de imediato "parece um sinal. Ou uma sarda mais escura".

E ontem caiu. Suavemente. Sem um toque. No duche.

A ferida cicatrizou. A dor ficou para trás.
Acabou.

6 de abril de 2008

O que é que esse narizinho me conta?

Foi o que perguntou assim que entrou na sala em que eu o esperava meio despida. Frágil, pequenina, assustada como uma criança. Chorava. Sem conseguir falar. Respirar. Pensar. Medo. Muito, muito medo.

E ele, gentil e paciente como poucos, insistia “oh, então? Um narizinho tão bonito e não me diz nada”?

Eu queria dizer. Queria retribuir o sorriso e dizer. Mas chorava. Convulsivamente. Descontroladamente. Como se todo o medo e todas as lágrimas guardadas durante semanas já não coubessem mais no meu peito.

Aquele era o dia que eu esperava/ temia desde o primeiro momento em que o encontrei num auto-exame.O caroço no meu peito. O nódulo. O fibroadenoma. E eu estava ali. Tantos anos depois de o ter encontrado.

Mamãe disse “ninguém devia fazer uma coisa destas sozinha. És a minha heroína”.Não? Sou?

Comecei a chorar no momento em que me chamaram.

Em que me disseram “entre para ali e dispa-se da cintura para cima que o dr. já vem”.
Eu não queria chorar. Não queria ter medo e estar frágil e pequenina. Mas aconteceu assim.

A ternura comove-me e foram todos tão gentis desde o primeiro momento.

A técnica da eco.

Quando me explicou o que era conveniente fazer e porquê.

A minha médica. Quando pediu a biopsia.

As meninas da recepção quando marcaram logo para o dia a seguir e quando perceberam a minha ansiedade e o meu desespero naquele dia.
Em que eu nem me lembrava da minha morada.

A assistente que me fazia festinhas enquanto me preparava.

E dizia que ia correr tudo bem.

E o Dr. Pimentel. “O que é que esse narizinho me conta?”
Mostrou o que achava importante fazer. Explicou porque é que não ia fazer o que lhe tinham pedido e queria fazer mais do que isso.

Mesmo que o sistema de pagamento não cobrisse. “O pagamento logo se vê. Se não pagar hoje, paga noutro dia. Mas cobre. O sistema cobre. Vão lá ver”. E foram. E cobre.

E outra vez a brincadeira com o meu nariz arrebitado “já viu? Eu não tenho o nariz arrebitado mas é como se tivesse”.

A ternura. Os sorrisos arrancados no meio das lágrimas.
“Confia em mim?” Sim. Confio. Faça tudo o que quiser. Faça o que for preciso.

A agulha no meu peito.
A anestesia a arder. Pouco.

As “marteladas” para tirar “minhocas”.
O carregar/ apertar/ comprimir muito doloroso que seguiu a cada uma delas (para não sangrar e não ficar muito negro).

Uma
“é fibroadenoma, ouviu?? É uma boa noticia!!! Está a ouvir?”
Sim. É Fibroadenoma. É uma boa notícia. Estou a ouvir.
“mas vamos tirar mais para mandar analisar e não ficarem dúvidas”.
Sim.

Duas
Três
Quatro
Cinco

Gelo.
Ajudar a vestir. Risos. Ternura.

Já está. Acabou.

“Vai correr tudo bem.
O Dr. já lhe deu uma boa notícia, não foi?”

Ninguém à espera. O alivio e a angústia de me saber só.
A casa vazia em que pude chorar horas a fio. A noite inteira. A manhã.

As lágrimas que insistem em cair. Eu choro um pouco, quase todos os dias…


O peito negro ainda, apesar dos dias que passaram. O ligeiro desconforto de vez em quando. A quase dor.

O resultado, amanhã.
Sim, vai correr tudo bem.

2 de abril de 2008

Amanhã, talvez...

Eu choro um pouco, quase todos os dias...
... porque estou mais assustada do que os outros jamais imaginaram...